quinta-feira, 15 de maio de 2008

Os Velhos da Minha Rua

Fátima Rosado - Natural de Coimbra, açoriana de coração, é professora aposentada do Ensino Superior Politécnico. Licenciada em Filosofia e Mestre em Pedagogia da Saúde foi directora da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra.

Publicado: 2008-05-11 23:26:22 | Actualizado: 2008-05-11 23:26:22

Só por si, o facto de ir uns dias para os Açores, deixa-me feliz, muito feliz: já sinto o cheiro dos pastos cortados, já ouço o barulho do mar, perto da minha casa, já saboreio as Sopas do Espírito Santo e as comidas boas da Ilha. Já vejo os verdes das montanhas, as copas pontiagudas das criptomérias, as cores das azáleas e aquelas paisagens de beleza indescritíveis onde o azul das lagoas, reflecte as nuances do céu. Já sinto aquela sensação de prazer e de privilégio por estar ali, por receber os abraços carinhosos dos meus amigos, a alegria da minha vizinha Inês e os banhos da água quente, na Piscina das Furnas, os bolos lêvedos, a massa sovada e tudo, tudo. Por isso, gostava de escrever uma crónica alegre, ligeira, bem disposta. Mas, hoje, ao sair de casa, encontrei uma data de pessoas idosas, arrastando-se a caminho de não sei o quê. Portanto, hoje, não consigo tirar da minha cabeça, os velhos da minha rua.
Os velhos da minha rua, no dia que recebem a magra pensão, vão à farmácia comprar remédios imprescindíveis e à loja da esquina, buscar pequenos sacos, de poucas compras, porque a força é fraca, o dinheiro é pouco, a coluna é velha e caminham arrastando os pés, carregando nas mãos trémulas, pequenos sacos, que pesam muito.

Os velhos da minha rua, com medo de atravessar nas passadeiras, caminham trémulos, arrastando o corpo decrépito, com passinhos lentos, amparados em bengalas de cana e carregam nas mãos trémulas, enrugadas pelo tempo, pequenos sacos de poucas compras, equilibrando a frágil coluna, de muitos anos gastos.

Os velhos da minha rua, rostos de pergaminho amarrotado, cabelos brancos, ralos, não usam perfumes, calçam sapatos cambados, vestem casacos surrados e de boca aberta, respiram arfando, sugando o ar possível, para os pulmões já gastos e lançam-me olhares baços de cataratas antigas, através de óculos de lentes grossas.

Os velhos da minha rua, sentam-se em jardins de solidão e contam histórias heróicas, mirabolantes, que ninguém escuta, de passados distantes, de amores fugazes ou eternos e sem pressa, esperam os filhos, os netos, carinhos, a parca pensão, a visita de alguém. Esperam sempre: esperam por ti, esperam por mim, esperam o fim.

Copiado do site RTP Açores (http://ww1.rtp.pt/acores/index.php?headline=12&visual=9&layout=17&tm=20)

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